Escrever sobre Animals (1977) do Pink Floyd é uma honra e de muita comoção para mim.
Vou começar de uma maneira um pouco diferente, reproduzindo uma resenha do jornalista Tárik de Souza para a revista Veja, na edição de 18 de maio de 1977:
"Depois de alguns anos de peregrinação pelo fervilhante underground londrino, na segunda metade dos anos 60, o grupo, idealizado pelo enlouquecido guitarrista Sid Barrett (Syd Barrett) , subiu inicialmente aos céus da crítica inglesa ("The Piper at the Gates of Dawn").
Com 4 milhões de cópias vendidas, o LP "The Dark Side of the Moon", lançado há quatro anos, ascendeu também ao estrelato das paradas. Da mesma forma, em relação aos temas de seus discos, o Pink Floyd sempre optou pelas longas planícies sonoras do chamado rock espacial, vizinho da ficção científica. De início, sorridentes e poéticas sondagens estratosféricas. Neste LP, recheado de grunhidos de porcos, cacarejos de galinhas e mujidos de gado, o Floyd arma um ruidoso libelo contra a ocupação do espaço. Agride a Casa Branca ("Pigs") e distribui a esmo avisos paranóicos , como os da faixa "Sheep". Quando Pink Floyd nos seus espetáculos ao vivo canta que os lábios estão amarrados e os pés frios, densos rolos de fumaça impedem o público de ver o porco voador que descerá do teto no momento seguinte.
No LP, estes recursos são substituídos pela profusão de teclados que produz ao mesmo tempo uma sensação de amplidão sonora e execução mecânica, sem resquício de emoção. O Floyd, em seu rock impessoal, parece transmitir de uma aeronave submetida a controle remoto. Contra-indicado, portanto, a ouvintes que costumam manter os pés no chão."
Quando a resenha de Tárik foi publicada na revista Veja eu não tinha nem 1 ano de idade, fui lê-la aos 15 ou 16 anos. Discordei dele anos mais tarde, quando escreve a respeito da opção pela sonoridade chamada rock espacial. Tá certo que o texto é da década de 70 e era um tanto comum na época rotular algumas bandas de rock progressivo como space rock.
Não é o caso do Floyd, apesar da atmosfera de sua música. Pink Floyd, para mim, é apenas uma banda de rock progressivo cuja sonoridade propõe uma "audição visual", onde o ouvinte escuta a música e filmes passam por sua cabeça. Idéia genial. Tão genial que o Floyd colaborou com Barbet Schroeder em More (1969) e La Vallée (1972), com Michelangelo Antonioni em Zabriskie Point (1970) e fez o seu próprio filme, o cultuado Pink Floyd The Wall (1982), dirigido por Alan Parker que, diga-se de passagem, diz ter detestado trabalhar no filme, em entrevista ao Jô Soares há alguns anos.
Em 1977 o mundo estava no centro da guerra fria, onde os EUA e a antiga União Soviética disputavam o domínio e influências sobre países divididos em dois blocos, os capitalistas e os socialistas.
Em pleno anos 2000 estamos vivendo isso novamente, com a recuperação econômica da Rússia e a emergente economia chinesa, formando blocos políticos e econômicos, fazendo contra-ponto aos interesses norte-americanos.
Percebe-se que, quando o mundo passa por grandes opressões é que nascem as grandes obras artísticas. Talvez seja por isso que o Floyd chegou a Animals, o melhor disco de sua trajetória (opinião pessoal essa a minha).
Sim, concordo com Tárik de Souza quando escreve que não há emoção em Animals e entendo isso de maneira positiva e não negativa, como se desqualificasse o trabalho do quarteto, talvez.
Gostaria até de, um dia, poder perguntar isso à ele.
Animals é frio, calculista, denso e introspectivo. O Pink Floyd vinha em uma crescente incrível logo após deixar o selo Harvest, quando ainda lançou o mega-sucesso The Dark Side Of The Moon (1973) e partiu para a CBS, com Wish You Were Here (1975), Animals e The Wall (1979).
Grande parte desse sucesso comercial e qualificatório se deve ao seu tecladista e vocalista Rick Wright.
Algumas vezes visto como um músico em segundo plano na banda, Rick Wright desempenhou um papel fundamental na sonoridade do grupo entre 1972 e 1977, arrasando nos teclados, não como um virtuose como Keith Emerson, Rick Wakeman ou Jon Lord, mas fazendo as bases perfeitas para a sonoridade proposta pelo grupo naqueles anos.
Seus sintetizadores deram o tom de frieza e expectativa a Animals, que poderia muito bem ter sido gravado por uma banda alemã de rock progressivo, mas não seria um clássico.
A história do Floyd, por si só, já cria essa aura em torno de qualquer lançamento, ainda mesmo nos anos 70. Observe a resenha de Tárik, como o Pink Floyd, de certa forma, incomodava.
Ao vivo, os caras eram péssimos, sinto dizer. Após ouvir vários bootlegs dessa fase, comprovei que tanto Roger Waters como David Gilmour não entravam em acordo, os dois davam umas escorregadas violentas nos vocais e pior, Waters era craque em entrar atrasado em Sheep.
Isso diminui minha paixão pelo Pink Floyd? De maneira alguma. É história, só deve ser contada e apreciada, nada mais. É até engraçado ver nossos heróis errando, afinal de contas ninguém é perfeito, "tô certo ou tô errado?", dizia Sinhozinho Malta.
Animals é recheado de "sacadas" legais, como em Sheep, quando a voz de Waters emenda com os sons de sintetizadores (mesma fómula utilizada em Gunner's Dream, do Final Cut (1981), quando sua voz emenda com o solo de sax).
David Gilmour... arrasa no disco. Um dos melhores momentos de sua carreira, genial e preciso. Guitarra nervosa e com desenhos fantásticos - ouça o disco e preste atenção nas bases que ele faz: são inteligentíssimas.
Ouvi Animals em 1986, quando o pai de meu amigo Juninho (in memoriam) trouxe uma fitinha K7 do Paraguai.
Naquela época, parece que os acontecimentos vinham de uma só vez: ouvi o disco e tempos depois li a resenha de Tárik de Souza, mas Animals permanece no quarto de minha casa, entre livros, CD's e DVD's.
Animals está na parte da prateleira onde a poeira não tem tempo de acumular.
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